Lembro quando uma amiga e eu pegamos um ônibus de São Paulo até Vitória, depois outro ônibus até sabe-se lá onde e desse lugar, uma carona até Itaúnas, onde passaríamos o carnaval. Chegando lá (32 horas de viagem depois) montamos uma barraca iglu para dormirmos – uma barraca para as duas. No Espírito Santo. Verão.
Eu tinha apenas 21 anos, sem dinheiro no bolso, mas pique pra viver. Depois dessa viagem, ainda fui para a Bahia, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro… Todas de ônibus que só de lembrar, já me canso. Hoje, desculpa Brasil, mas só vou de avião.
De avião, mas sem deixar de passar perrengue. Quem já viajou para outro país com apenas um muffin servido como refeição? Eu já. E teve aquela vez que fui pra Paris com uma conexão em Nova York. Imagina você, ir até NY para depois ir a Paris! É o dobro do tempo de viagem.
E se você me perguntar qualquer coisa sobre o aeroporto de Lima vou saber responder – já dormi lá três vezes durante as minhas conexões. Na segunda fui preparada, com cobertor, travesseiro e sabendo onde conseguir amostra grátis de chocolate.
Viajar de classe executiva nunca viajei. E primeira classe, duas vezes por erro da companhia aérea. Um dia chego lá.
Mas voltando ao assunto “dormir em barraca”, uma vez fui passar o réveillon no Pouso da Cajaíba. Sabe onde fica? É umas das ilhas de Paraty. Não fui de ônibus, mas cheguei lá de barco, desses que têm que pular na água de mala e tudo para sair dele porque não havia píer. Até aí tudo bem. O problema é que cheguei à noite, debaixo de temporal e ainda tinha que montar a barraca! Como se monta uma barraca à noite debaixo de chuva? Graçasadeus não me lembro mais. Choveu na ilha (e dentro da barraca) durante os cinco dias que fiquei lá. Depois dessa nunca mais acampei.
E com a chegada das viagens internacionais na minha vida, vieram os hostels, que eu adoro. Mas não vou negar, gosto de um quartinho privado. Esse é o meu luxo. Gosto de interagir com o pessoal do hostel sem precisar dormir com eles. O que nem sempre é possível, como na Patagônia, onde tudo era caro e dormi em quarto compartilhado a viagem inteira (incluindo duas noites no sofá). E compartilhar quarto é loteria, você nunca sabe se vai dividir com alguém gente boa ou alguém que ronca, que não toma banho, mulheres que deixam calcinhas espalhadas pelo quarto ou um casal esquisito de vovôs finlandeses que você reza para acordar viva no dia seguinte – já passei por todos esses.
Mas luxo, luxo mesmo pra mim, é dormir em hotel 5 estrelas. Numa praia paradisíaca. Com o namorado. Parece até lua-de-mel. Mas romântico mesmo não foi o hotel do Caribe. Foi numa simples pousadinha na serra de Minas, deitados numa rede vendo estrelas por horas e fazendo juras de amor – nesse caso o luxo é relativo. Relativo ao romance e não ao conforto. E perrengue não existe para quem está apaixonado.
E para falar de perrengue com as refeições, posso dizer que vou tranquilamente do melhor restaurante francês ao lanchinho de pão com mortadela preparado no hostel. Se estou em Cuba, quero comer nos paladares; se estou no Peru, quero comer um bom ceviche e lomo saltado; na Patagônia, não dá pra perder o cordeiro patagônico (e os sorvetes de doce de leite, e os vinhos); nos EUA quero pancakes para o café da manhã com calda maple syrup; na China, bom, na China eu não consigo comer nada. Todos os países têm os seus pratos típicos que me fazem querer prova-los com a melhor experiência. Mas quando a coisa aperta, apelo para o macarrão instantâneo feito no hostel sem problema. É o equilíbrio entre almoçar um sanduíche simples para poder jantar o melhor steak da cidade, e vice-versa.
Os perrengues de viagem não acabam. Só mudam o nível de acordo com o dinheiro que você tem e com a sua paciência – pra mim um dia foi viajar mais de 24 horas de ônibus, hoje é fazer conexões infinitas de voos. Um dia foi acampar debaixo de chuva, hoje é compartilhar quarto de hostel por muito tempo. E os meus perrengues geralmente vêm acompanhado de pensamentos como “essa é a última vez que pego um voo com 152 conexões”. Mas não é. A próxima vez chega e eu sempre tenho pique para mais um sacrifício em nome da felicidade de viajar.
Ilustração: Wikihow
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